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Mateus Batistella

Chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite

Op-CP-39

Eucalipto não é floresta?

Em 2009, tive a oportunidade de participar da tradução do livro Seeing the Forest and the Trees: Human-Environment Interactions in Forest Ecosystems, organizado por Emilio Moran e Elinor Ostrom. No prefácio à edição brasileira, refletimos sobre a complexidade das mudanças ambientais feitas pelo homem moderno, particularmente a conversão de ecossistemas florestais biodiversos em áreas para a agricultura e para a expansão urbana e industrial.

Salientamos que as transformações nas florestas não seguem padrões universais e unidirecionais, podendo ser aceleradas e desordenadas, afetando regiões inteiras, após tirar do homem o prazer de ver paisagens dominadas por árvores. Reconhecemos também as alternativas de uso mais sustentável, assim como possíveis trajetórias de recuperação de ambientes florestais.

Lin, como chamávamos Elinor, dedicou boa parte de sua vida para refutar um artigo publicado por Hardin na revista Science, em 1968, intitulado A tragédia dos comuns, no qual o autor previa que indivíduos utilizando um recurso comum cairiam inexoravelmente na armadilha de superexploração e destruição, argumentando que haveria apenas duas soluções para uma ampla variedade de problemas ambientais: a imposição de uma instância governamental reguladora ou a imposição de direitos privados.

Prêmio Nobel de Economia em 2009, Lin demonstrou que a ação coletiva, promovida por atores e instituições, cria condições de possibilidade muito mais complexas que maniqueísmos catastróficos. Novas regras são definidas quando uma coalizão vencedora entende que os benefícios esperados excedem os custos esperados. Essa breve reflexão contextualiza o dilema que vivemos, hoje, na relação das florestas – nativas, plantadas e manejadas - e das águas – lóticas, lênticas, precipitadas ou disponíveis no solo.

Recentemente, a pedido da Ministra Kátia Abreu, a Embrapa coordenou uma análise sobre riscos potenciais para a produção agrícola, face à crise hídrica que atinge, principalmente, a região Sudeste do País. Foram analisados os riscos para a soja, o milho de 1ª e 2ª  safras, o feijão de 1ª , 2ª  e 3ª  safras, o trigo, o algodão, a cana e o café, assim como para o tomate, a cebola, a batata e a laranja: detalhes no Portal da Água (www.embrapa.br/agua-na-agricultura).

Os resultados devem ser vistos com cautela, pois as condições de produção são muito dinâmicas e com especificidades regionais e locais – no sentido da cultura e da agricultura –, muitas vezes não capturadas pelos modelos. A complexidade seria ainda maior para a análise da silvicultura, devido à grande variabilidade na precipitação durante os muitos anos do ciclo de produção.

Seria necessário um acompanhamento sistemático da disponibilidade de água em cada talhão cultivado, desde o plantio até o corte, para prever os impactos das eventuais crises hídricas ao longo do tempo. Mas avanços tecnológicos recentes já permitem uma visão sinóptica traduzida em mapas e modelos geoespaciais. Um exemplo é o SomaBrasil (Sistema de Observação e Monitoramento da Agricultura no Brasil), desenvolvido pela Embrapa Monitoramento por Satélite e disponível em http://www.cnpm.embrapa.br/projetos/somabrasil/.


A figura em destaque representa os municípios responsáveis por, aproximadamente, 85% da produção de toras, em 2013, mostrando a dinâmica das áreas produtivas. É no bioma Mata Atlântica onde se concentra a maior parte dos municípios produtores, justamente o bioma mais desmatado pelo homem ao longo do processo de colonização.

José Bonifácio, em uma representação à Assembléia Constituinte, em 1823, já anunciava: “Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então esse dia em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos”.

Radicalismos à parte, porque não transformamos o Brasil num deserto, muito menos numa Líbia, o texto nos deixa perplexos por sua atualidade. Quem já não ouviu dizer que “eucalipto seca o solo”? Mas é raro ouvirmos que “o homem seca o solo”. Ora, a silvicultura, se bem feita, é muito mais solução que problema. Pode contribuir, inclusive, pasmem, para a recuperação de matas nativas.

Uma tese de doutorado em andamento traz novos elementos para o entendimento da relação entre as áreas de florestas plantadas e nativas, a partir da análise multitemporal para o Vale do Paraíba no estado de São Paulo. Entre os anos de 1985 e 2011, essa região teve taxa de crescimento de áreas plantadas com eucalipto de 136%. Do montante total das novas áreas com eucalipto (48.034 hectares), 53% ocorreram em 6 dos 34 municípios vale-paraibanos – Jambeiro, Natividade da Serra, Paraibuna, Redenção da Serra, Santa Branca e São Luís do Paraitinga, todos situados na sub-região do Alto Vale, que não é cruzada pela rodovia Presidente Dutra.

Esses 6 municípios são avizinhados e próximos à cidade de Jacareí, onde se encontra a única fábrica de papel e celulose, em atividade, no Vale do Paraíba paulista, e tiveram taxa de crescimento da floresta nativa de 75% no mesmo período, representando 23% (45.682 hectares) do crescimento total de novas áreas com Mata Atlântica no Vale, em contraste  com os demais municípios da região.

Os números demonstram que, onde houve a expansão da eucaliptocultura, observaram-se também taxas mais expressivas de regeneração da floresta nativa, incluindo estágios sucessionais com, pelo menos, sete anos de formação. A expansão dos plantios de eucalipto da última década se difere do que se pode ter observado durante o início de seu cultivo no Brasil, primeiramente apoiado por subsídios governamentais, com objetivo de tornar o País um produtor de papel e celulose e líder na produção de eucalipto.

Nesse período, a expansão da eucaliptocultura ocorreu não apenas sobre áreas de pastagens e agricultura, mas também sobre remanescentes florestais nativos. Com a orientação do mercado brasileiro de celulose para o comércio internacional, resultado da transformação desse setor no País, passamos a figurar entre os mais importantes produtores de celulose e detentores de florestas plantadas de eucalipto.

No que tange à preocupação do povo brasileiro sobre a proteção dos recursos naturais, a comercialização internacional da celulose brasileira, em torno de 90% da produção, exigiu das indústrias rigoroso atendimento à legislação ambiental, de modo a cumprir os protocolos que garantam a certificação de suas florestas plantadas. O que se observa na região do Vale do Paraíba paulista, onde os plantios florestais de eucalipto também se desenvolveram majoritariamente para a produção de celulose comercializada internacionalmente, foi o maior aumento de vegetação nativa em suas áreas de influência, na última década.

Essa relação entre o aumento da vegetação nativa e o cultivo do eucalipto ocorreu em diversas propriedades onde a cultura se instalou. Esse fato tem próxima relação com o compromisso do setor em atender às normas legais para o uso da terra no meio rural e de conservação da biodiversidade, que, entre outras medidas, preveem a conservação das Áreas de Preservação Permanente e a constituição das Reservas Legais.

O atendimento à legislação e ao conjunto de regras definido por cada selo garante a certificação florestal, como a realizada pelo FSC (Forest Stewardship Council) e pelo Cerflor (Programa Brasileiro de Certificação Florestal). Outro efeito das florestas plantadas sobre remanescentes florestais nativos diz respeito ao fornecimento de produtos madeireiros, como madeira para ferramentas, construção civil, cercas e energia.

No contexto do bioma Mata Atlântica, onde a legislação brasileira se estruturou de forma a coibir e a desestimular a exploração de madeira nativa, o eucalipto ocupou posição protagonista no fornecimento, favorecendo a redução da pressão exercida sobre os remanescentes florestais. A transição florestal é uma oportunidade para a silvicultura e vice-versa. A água vem de brinde.