Especialista em colheita florestal e logística de transporte e Vice-presidente para Caribe e America Latina da Valley Irrigation
Num artigo passado, falei sobre Covid-19, pandemia, trabalho remoto e seus impactos. Mas não podemos deixar de reconhecer que, sem dúvida, vivemos o maior divisor de águas do século. Recentemente, li em um post de LinkedIn de um executivo que comentava sobre alguns mitos: 1º) “Não estamos preparados para os desafios que vem (sic) pela frente”. Ninguém está, pelo menos não 100%. Eles são novos, e cada evento se desdobra em caminhos antes não pensados.
O ponto não é estar preparado, mas sim ter, na caixa de ferramentas do gestor, opções suficientes para buscar alternativas e agir com rapidez; 2º) “O mundo está mudando muito rápido”. Outro mito. Sempre mudou. Imaginem o impacto de grandes invenções do passado. Talvez fique mais fácil olhar do hojee compreender os efeitos de tais ações, em tempos passados. Mas, certamente, durante aqueles tempos, era igualmente difícil prever os acontecimentos. A colheita florestal, em suas diversas nuanças e diferentes operações, sempre foi, e parece que permanecerá sendo por muito tempo, casada com a logística.
O que tem mudado é a forma como nos preparamos para isso. Lembro-me de que um dos meus primeiros trabalhos, quando iniciei na engenharia florestal, foi fazer o bom e velho estudo de tempos e movimentos, para descobrir a distribuição de tempo de cada uma das atividades daquela colheita.
Por curiosidade, a localidade era nas florestas de Santa Catarina. Florestas de pínus, em áreas declivosas, que eram derrubadas e desgalhadas por motosserras, arrastadas para a beira da estrada por tratores com guinchos e traçadas e separadas em seus sortimentos (de acordo com o que se havia vendido ao pool de consumidores da região)
por motosserras novamente.
O desafio? Encontrar oportunidades para melhoria do processo. Nesse cenário, iniciou-se meu contato com a primeira máquina florestal, resolvemos mecanizar o processamento. Na época, há mais de uma década, éramos uma operação iniciante e relativamente inexperiente na mecanização. Nas primeiras vezes, uma mangueira que se rompia era levada de carro até a cidade mais próxima para que fosse usada de gabarito para montar-se a próxima. Eu mesmo levava.
Tenho a impressão de que teimosamente aquelas mangueiras ou outras peças costumavam estragar sempre ao fim de tarde ou de turno, ou de preferência nas sextas-feiras. O resultado não podia ser outro, baixo rendimento operacional. Ao mesmo tempo, nenhum outro país do mundo tem mais dados sobre operação e manutenção de equipamentos florestais do que nós. Se somarmos todos os contratos de manutenção full service provida por todos os fabricantes de máquinas florestais, desde os primeiros contratos com a então Aracruz, passando por outras empresas que também optaram, em algum momento, por esse modelo − como Eldorado, Cenibra, Veracel, Suzano, Fíbria −, ultrapassamos os 50 anos de experiência.
Sequer me arrisco a somar as horas-máquinas de todas as frotas que já foram e ainda são geridas nessa modalidade. Muito se aprendeu sobre inteligência de operação e de manutenção. E muito se desenvolveu em estratégias de logísticas. As filiais e o estoque de peças dos fabricantes foram acompanhando o desenvolvimento de novas fronteiras e, hoje, já se encontram em absolutamente todos os estados com atividade florestal expressiva.
Vale notar, ainda, que não apenas nas modalidades de full service obteve-se grande conhecimento estratégico, mas também na intensa profissionalização da gestão das operações florestais próprias de cada uma das empresas. O BRASIL É (com letra maiúscula e de boca cheia) o país mais profissional na gestão da colheita florestal.
Mas aí o colega leitor deve estar se perguntando: “o que tem a ver o título deste artigo com o seu tema?”. Pois bem, escrevo este artigo de dentro do avião, retornando de uma viagem a trabalho para a Suécia, que, mais uma vez, foi fonte de grande inspiração. Após 2 anos da minha última viagem internacional à Europa e convivendo com novas reais ameaças de lockdown no continente, estamos reaprendendo e readequando o novo modelo de ir e vir.
E não dá para deixar de notar os impactos gigantescos dessa pandemia sobre o tema central deste artigo. No mundo de hoje (dezembro de 2021), é gigante a polarização sobre os benefícios que fabulosas e intrigantes novidades de um futuro próximo parecem trazer, no contexto de uma economia de escassez de quase tudo.
São as possibilidades nos empolgando com as dificuldades do presente, ou até do passado, nos assombrando atualmente. O mundo estava muito mais conectado e integrado do que conseguíamos imaginar. A pandemia e a Covid-19 foram capazes de desestabilizar e bagunçar a cadeia de suprimentos de quase tudo, em quase todo lugar. Como aquela brincadeira de criança de empurrar um dominó e assistir o efeito, hoje, temos dificuldades de descobrir o que é causa e o que é consequência.
Os artigos de jornais e as revistas internacionais falam do efeito devastador da escassez de produtos que pressiona os preços. O produto que custava X agora custa X + Y, e não podemos deixar de nos questionar: “Com quem está ficando esse Y?”. Mas a verdade é que as raízes dessa simples pergunta vão mais longe do que consigo compreender. Pois, pelo mesmo efeito dominó, parecemos estar todos sendo impactados.
Um componente que um fornecedor tem dificuldades de entregar, porque ele também depende de outro fornecedor, deixa de produzir um bem que estava programado. Esse bem, no qual já foram investidos outros componentes e horas de trabalho, por sua vez, não é produzido até o fim e, por óbvio, não atinge seu “destino final”. Se for um bem de consumo, o consumo não ocorre. Se for um bem para lazer, o lazer não ocorre. Se for um bem de capital, a produção oriunda desse produto é interrompida. A situação ainda se coloca mais complicada sob a pressão de caixa e capital.
O capital não flui, e o caixa fica compromissado. A situação volta, e o fornecedor original agora está com seus insumos mais caros e com a mesma necessidade de capital. Ao final desse emaranhado, um produto que falta gera uma escassez de algo, que, por sua vez, sobe de preço, que, por sua vez, se torna oportunidade de negócio para outra empresa, que, por sua vez, agora precisa de algum insumo para realizar seu trabalho. Mas o sourcing desse insumo, em sua grande maioria, também está comprometido.
Ao final? Inflação! Não sou economista e não tenho pretensões de discorrer sobre o tema. Mas os efeitos desse ciclo que parece vicioso são sentidos, diariamente, em todas as esferas, e os riscos parecem altos. São problemas velhos, de um mundo que também já nos parecia igualmente antigo.
As cadeias de suprimentos mundiais estão frágeis e comprometidas. E isso ainda levará algum tempo para normalizar. Na mesma viagem, não pude deixar de notar discussões interessantes sobre as possíveis maravilhas que a tecnologia nos trará muito em breve. Com 5G, por exemplo, novas possibilidades de montar coisas com instruções dadas de forma remota e interativa abrem novas possibilidades. As impressoras 3D já são realidade e de custo acessível para algumas tarefas. Quanto tempo demorará para acontecer, não sei. Mas o futuro da logística de peças de reposição, por exemplo, passará por isso.
Ao invés de ter-se um grande estoque de bens produzidos e capital “parado” aguardando sua chance de ouro de servir, teremos um fluxo de dados enormes que serão comercializados e enviados às impressoras 3D na localidade de necessidade, para ser impresso na quantidade necessária e no tempo desejado. A gestão de logística internacional – a mesma que hoje sofre por falta de containers,
navios travando canais, ou navios com casos de Covid-19 que precisam ser isolados – será mais eficiente através do Big Data.
O conhecimento acumulado em todos aqueles anos de experiência de manutenção de equipamentos florestais será parte de logaritmos que se juntarão com novos dados gerados a partir do uso das máquinas e customizados de cada operador, e a inteligência artificial se encarregará de antecipar falhas, fazer ajustes, e uma máquina “aprenderá com o erro da outra” e se autocorrigirá.
Drones farão entregas, e peças serão armazenadas e selecionadas por robôs em menos tempo do que fazemos manualmente. As próprias máquinas serão operadas à distância, ou sequer serão operadas por alguém. Enfim, caberá ao ser humano aquilo que fazemos melhor que os robôs matemáticos computadores: pensar, liderar, gerir.
Por fim, hoje, o mundo nos desafia a resolver problemas que eram do mundo velho e nos anima com as possibilidades. Hoje as evidências da economia das redes e da colaboração são cada dia mais fortes. Mas, como sociedade, ainda teimamos em buscar as velhas vantagens competitivas do Porter e buscamos sempre aquele “gole a mais” de um fornecedor. Acredito que não teremos sucesso como sociedade enquanto continuarmos (na prática) cada um tentando se dar bem sozinho.