Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP
Op-CP-11
O tema da mudança global do clima, resultado das ações humanas, que aumentam a concentração de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera, é objeto, hoje, de um debate internacional de natureza diferente daquele ocorrido por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a RIO-92.
Naquela ocasião, todas as atenções estavam voltadas para a chamada Agenda 21, um elenco de diretrizes para o desenvolvimento no século XXI que, na medida em que forem seguidas por todos, resultarão em um futuro melhor. Em uma pequena sala no Centro de Convenções, foi colocada à disposição uma mesa para a assinatura, pelos representantes governamentais da recém adotada Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Em poucos anos, foram obtidas as assinaturas e ratificações necessárias para que entrasse em vigor, em 1994, com a conseqüente convocação de sua primeira Conferência das Partes, em Berlim, em 1995. A Convenção é um instrumento extraordinário. É quase surpreendente que tenha se tornado um tratado, com a participação de, essencialmente, todos os países do mundo.
Sua meta de longo prazo – que é lei em todos esses países – é a estabilização da concentração atmosférica dos gases que causam o efeito estufa. Considerando o tempo de permanência na atmosfera, o principal deles e o que representa o maior desafio para sua estabilização é o dióxido de carbono. O quarto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, divulgado em 2007, apresentou a constatação de que a mudança do clima já foi detectada de forma inequívoca.
Sob o ponto de vista físico (importante porque as leis e tratados humanos não podem violar as realidades físicas), cabe perguntar o que precisa ser feito para atingir a meta da Convenção. A resposta é relativamente simples. É necessário que as emissões líquidas de gás carbônico para a atmosfera sejam, no máximo, iguais à remoção natural pelos oceanos, que é igual a 2,2 bilhões de toneladas de carbono.
Isto significa que as emissões líquidas globais devem ser reduzidas em cerca de 60%, em relação aos seus níveis de 1990. Tarefa difícil, porém, aparentemente possível. É interessante notar que as emissões relevantes são as emissões líquidas, portanto, as emissões, menos as remoções, que podem ser obtidas, por exemplo, pela captura e armazenamento geológico do dióxido de carbono, tecnologia ainda em desenvolvimento.
Neste cenário, a biosfera precisa ser considerada, necessariamente. A biosfera terrestre possui uma quantidade de carbono da mesma ordem de grandeza daquela da atmosfera. Os dois reservatórios de carbono, a atmosfera com o carbono na forma de dióxido de carbono e a biosfera terrestre com o carbono na forma de matéria orgânica, são como vasos comunicantes.
O processo de fotos-síntese transfere carbono da atmosfera para a biosfera e a decomposição da matéria orgânica, seja qual for a sua forma, transfere carbono da biosfera para a atmosfera. Segue-se que a estabilização da concentração atmosférica do dióxido de carbono somente poderá ser obtida com a estabilização do carbono, no conjunto atmosfera e biosfera.
As florestas são uma parte importante do reservatório de carbono da atmosfera e, certamente, a parte mais visível desse carbono acima do solo. No futuro, será necessário garantir que o estoque de carbono na biosfera terrestre seja estabilizado. Qualquer ação nesse sentido ajuda, desde o aumento do carbono no solo, até a recuperação de áreas degradadas e a diminuição no ritmo de corte raso de florestas.
Os biocombustíveis renováveis, aqueles em que não há uma emissão líquida de dióxido de carbono, porque a emissão é compensada pela absorção no crescimento da vegetação, em processo renovável, serão uma parte essencial da solução. No Brasil, o etanol, o biodiesel e o carvão vegetal, obtido de florestas renováveis, podem representar uma vantagem comparativa para o país, além de uma grande contribuição para o enfrentamento de um problema global.
As florestas, em particular, têm um papel de destaque, pois além da substituição de combustíveis fósseis, representam um aumento do estoque da biosfera. No âmbito do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kyoto, o segundo papel já foi reconhecido, com a aprovação das metodologias AMAR-0005 e AMAR-0010, desenvolvidas, graças aos esforços e à persistência, respectivamente, da Plantar e AES Tietê, para florestas comerciais e nativas.
Trata-se, aqui, do crédito, de caráter temporário, a ser obtido pela remoção de dióxido de carbono da atmosfera. No caso de florestas comerciais, a remoção contabilizada independe do uso a ser feito da biomassa. Hipoteticamente, poderia ser simplesmente queimada por ocasião do corte, e mesmo assim a remoção teria ocorrido.
As florestas podem, ainda assim, como no caso do etanol ou do biodiesel, servir como fonte de energia renovável e, à medida que isso seja feito para substituir fontes não renováveis, podem contribuir, adicionalmente, para combater a mudança do clima. É interessante aqui notar que, dentre as fontes não renováveis, que podem ser substituídas por energia renovável de florestas, estão não somente o carvão mineral (na forma de coque), mas também o carvão vegetal, obtido de matas nativas.
Este último gera emissões ainda maiores do que o carvão mineral, pois parte da energia é usada para retirar a umidade da biomassa. Os organismos responsáveis pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo estão bastante atrasados na regulamentação necessária, que permitirá a obtenção de créditos pelo uso de biocombustíveis renováveis, em substituição a combustíveis não renováveis. Em muitos casos, esse incentivo poderá contribuir, pelo menos parcialmente, para viabilizar o aumento da participação dos biocombustíveis renováveis, em nossa matriz energética.