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José Leonardo de Moraes Gonçalves

Professor Titular de Solos e Nutrição da Esalq-USP

OpCP82

Manejo integrado do sub-bosque em plantações florestais monoespecíficas
A busca por sistemas produtivos mais resilientes tem colocado o manejo ecológico do solo no centro das discussões do setor florestal. Esse foi um dos temas de destaque da 66ª Reunião do Programa Cooperativo de Silvicultura e Manejo (PTSM) do IPEF, realizada na unidade da Suzano em Ribas do Rio Pardo-MS, no encontro comemorativo dos 30 anos do Programa. Além disso, a aceleração das mudanças climáticas e a maior frequência de eventos extremos tornaram ainda mais urgente a adoção de práticas capazes de ampliar a resiliência das plantações florestais. 
 
O consenso é inequívoco: conservar ou restaurar apenas as condições físicas e químicas do solo já não basta. Para se alcançar a verdadeira saúde do solo, é indispensável recuperar também seus atributos biológicos, que constituem a base de qualquer ecossistema produtivo estável e sustentável.

A qualidade do solo é definida pela sua capacidade de sustentar a atividade biológica e, por consequência, manter a saúde de plantas, fauna e serviços ambientais. Entre os indicadores edáficos, os biológicos, como a biomassa microbiana, a respiração basal, a composição da comunidade fúngica e bacteriana e a atividade enzimática, são os mais sensíveis às alterações provocadas pelo uso e manejo do solo. 

Eles respondem rapidamente às mudanças físicas e químicas do solo, permitindo o diagnóstico precoce e de baixo custo de processos de degradação ou de recuperação. Sem uma comunidade ativa e diversa de organismos, simplesmente não há solo saudável, tampouco ciclos biogeoquímicos eficientes ou resiliência diante de estresses climáticos.

Nesse contexto, a bioestimulação do solo ganha força estratégica. Estimular a microbiota do solo acelera a ciclagem de nutrientes, reduz a necessidade de fertilizantes minerais, favorece o enraizamento inicial, solubiliza fósforo, mineraliza nitrogênio, melhora a estrutura física do solo e aumenta sua capacidade de retenção de água. Em síntese, cria-se um ambiente mais sustentável, resiliente e produtivo, com efeitos diretos na estabilidade econômica do sistema florestal e na redução do custo de produção ao longo das rotações.

Repensar o paradigma do “cultivo no limpo”: Na agricultura, estratégias como sucessão, consórcio ou rotação de culturas são amplamente reconhecidas por elevar os teores de carbono e nitrogênio, romper ciclos de pragas e doenças, melhorar a estrutura do solo e estabilizar produtividades. No setor florestal, entretanto, predomina há décadas o paradigma do cultivo no limpo, caracterizado pelo controle rigoroso de plantas infestantes (daninhas) desde o plantio até o fechamento das copas.
 
Nesse período, consolidaram-se algumas boas práticas operacionais, como a colheita com impacto reduzido no solo (com corte por colheitadeiras mecanizadas e baldeio com forwarders) e o cultivo mínimo do solo. Esses avanços preservam a qualidade do solo ao reduzir compactação, manter agregados estáveis e proteger nichos microbianos essenciais. Foram passos decisivos na evolução da silvicultura moderna.

Entretanto, embora fundamentais, essas práticas não resolvem um problema estrutural: como as plantações comerciais são predominantemente monoespecíficas, a diversidade de plantas vivas e de resíduos orgânicos é reduzida, limitando a oferta de substratos variados para a microbiota. 

Assim, os organismos do solo permanecem funcionalmente restritos e pouco diversos, incapazes de desempenhar plenamente seu papel ecológico. Até que ponto a perda acumulada de produtividade está ligada ao empobrecimento biológico do solo e não apenas à adubação mineral insuficiente? Essa é uma pergunta incômoda, mas que precisa ser feita.

Área de manejo conservacionista recém-implantada, com controle em faixas da braquiária (Sidinei Dallacort)
Em plantações homogêneas, a cobertura morta e viva é recalcitrante, de renovação lenta e pouco diversa. A microbiota permanece empobrecida, e o solo entra em um processo de degradação biológica gradual, menos perceptível que a degradação física ou química, mas igualmente danosa. A redução da diversidade de macro e microrganismos e da funcionalidade biológica leva à perda cumulativa de produtividade e ao aumento da dependência de insumos.

Manejo integrado do sub-bosque: um novo conceito: Uma alternativa promissora é o manejo integrado do sub-bosque, que reconhece as plantas infestantes não como inimigas a serem eliminadas sistematicamente, mas como componentes funcionais do ecossistema. 
Ao permitir a presença controlada de gramíneas e folhas largas nos estágios iniciais da cultura, amplia-se a diversidade biológica, reduz-se a erosão, moderam-se as temperaturas do solo e favorecem-se processos essenciais de ciclagem e estabilização ecológica.
Se a floresta é um ecossistema, faz sentido eliminar toda a vegetação espontânea, ou seria hora de reconhecer seu potencial ecológico e funcional?

Esse conceito foi ilustrado na apresentação da Dra. Liamara Masullo, pesquisadora da Bracell no Mato Grosso do Sul, durante a 66ª Reunião do PTSM. Em solos arenosos, a empresa implantou um projeto piloto com controle em faixas de braquiária (1 metro) entre linhas de 2,4 m, durante 120 dias. Os resultados preliminares são expressivos: 

1) controle total da erosão; 
2) redução do assoreamento das covas; 3) diminuição de até 4°C da temperatura do solo; 
4) prevenção da queima de coleto; 
5) menor demanda por herbicidas; 
6) maior abundância de inimigos naturais das pragas; 
7) aumento do crescimento e redução da mortalidade das mudas.

Em um outro estudo, conduzido na Suzano em Imperatriz-MA, apresentado na 62ª Reunião do PTSM (2023), foi mostrado que após seis anos de convivência irrestrita do povoamento de eucalipto com espécies regenerantes amazônicas (predominantemente, folhas largas) resultou em apenas 14% menos volume de madeira em relação ao manejo no limpo. 

Vista aérea de um talhão declivoso com manejo conservacionista (à esquerda) e convencional (à direita). 
Observação da ocorrência de erosão em sulcos no manejo convencional. (Bruno Arruda)
Em outras palavras, mesmo sem controle total de plantas infestantes, a produtividade diminuiu pouco. Portanto, um controle parcial das plantas infestantes, é possível conseguir produtividades equivalentes ou superiores às obtidas no manejo convencional.

Esses resultados mostram que o caminho mais eficiente é o do controle seletivo e temporal das plantas competidoras até o fechamento das copas e, posteriormente, permitir que um sub-bosque manejado contribua para a estabilidade ecológica da plantação.

Considerações finais: Adotar o manejo integrado do sub-bosque é mais que uma prática operacional: é uma mudança de paradigma. Aumentar a diversidade vegetal em plantações homogêneas recupera a biologia do solo, reforça a funcionalidade ecológica, reduz custos operacionais, diminui aplicações de herbicidas e melhora a imagem ambiental do setor. 

A prática se alinha aos princípios da silvicultura regenerativa, da economia circular e das agendas ESG, além de contribuir para a adaptação climática e a mitigação de emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa). No cenário de metas climáticas ambiciosas e de rigor crescente em rastreabilidade ambiental, já não basta produzir florestas: é preciso regenerar o solo que as sustenta. A evolução da silvicultura consolidou práticas eficientes no manejo físico e químico do solo, mas a próxima fronteira é a reconstrução da funcionalidade biológica. 
 
Para isso, é necessário compreender que os organismos do solo dependem de diversidade vegetal e oferta contínua de substratos, muitos deles fornecidos pelas espécies antes tratadas exclusivamente como plantas daninhas. Meu agradecimentos ao time de P&D e de Desenvolvimento Operacional e Silvicultura da MS Florestal, pelo apoio recebido.