A microbacia pode ser compreendida pela área que capta a água da chuva e a direciona (drena) para um pequeno riacho. Apesar de algumas dúvidas sobre o tamanho e a escala, o conceito é simples e pode ser aplicado diretamente no planejamento florestal. Como o nome indica, a área da microbacia é pequena, pois se refere a um riacho até 3ª ordem que, dependendo das condições de relevo, pode representar menos que 100 ha em relevos mais acidentados e se estender até mais de 1.000 ha em relevos planos e bem drenados.
No entanto não é a área o aspecto mais importante quando se pensa em microbacia, e sim o conceito de que nela, ou nesta escala, os efeitos de mudança no uso do solo são diretamente sentidos no riacho. Ou seja, pela pequena área e sua estreita ligação com o riacho, os efeitos (positivos ou negativos) do manejo florestal podem ser percebidos. Isso não ocorre em outras escalas, ou em bacias maiores, já que os efeitos do manejo florestal podem ser diluídos no espaço e no tempo, não refletindo necessariamente em alterações na quantidade ou qualidade da água de seus rios.
Esse é o primeiro dos princípios hidrológicos do manejo florestal, que incluem ainda aspectos como áreas críticas, conectividade, variabilidade espaço-temporal dos processos e resiliência hidrológica. Desse modo, quando o objetivo é entender os efeitos do manejo florestal, a única metodologia confiável é a de monitoramento de riachos em microbacias. Nesse caso, as técnicas têm sido aperfeiçoadas com sensores mais robustos para medição de vazão ou da qualidade da água, ou mesmo pela instalação de calhas pré-fabricadas, utilização de sensores Doppler ou câmeras especiais com medição de fluxo por inteligência artificial.
O processamento dos dados hidrológicos também evoluiu muito com a estruturação de banco de dados e desenvolvimento de indicadores hidrológicos para melhorar o entendimento dos efeitos do manejo florestal. Embora tenha havido grande avanço nas técnicas, permanece o princípio básico de que os efeitos hidrológicos aparecem na escala das microbacias e é necessário monitorá-las para entendê-los.
Quando se pensa em monitoramento de microbacias, uma outra questão é sempre levantada: qual a validade dos efeitos medidos na microbacia se ela representa uma porção pequena da área sob manejo florestal? Nesse caso, a seleção criteriosa do local para monitoramento é muito importante, já que deve representar a situação mais usual da empresa, seja em termos de clima, relevo e solos, bem como de ocupação e manejo florestal. Dependendo da extensão dos plantios florestais, é necessário o monitoramento de mais de uma microbacia para abranger as variações nas condições ambientais do empreendimento.
Além disso, a microbacia escolhida deve estar pareada a uma microbacia de referência com vegetação nativa e atrelada a um modelo de representatividade, em que a distribuição das condições ambientais da empresa é estudada, e a(s) microbacia(s) monitorada(s) são indexadas.
Aplicando o conceito da microbacia, o Promab/IPEF (Programa de Monitoramento e Modelagem em Microbacias) surgiu há mais de 30 anos como um experimento científico do Laboratório de Hidrologia Florestal da Esalq/USP, com o objetivo de avaliar os efeitos do manejo florestal. Desde então, muita coisa mudou: o Promab cresceu, se tornou a maior rede de microbacias experimentais do Brasil, indicadores foram desenvolvidos e as técnicas se aperfeiçoaram, buscando otimizar a coleta, o processamento de dados e a análise dos resultados.
Toda a experiência acumulada no desenvolvimento de indicadores e sua interpretação foram incorporados a um sistema inteligente de importação, validação, consolidação, análise e produção de infográficos que são utilizados para entender, estudar e comunicar os efeitos do manejo em busca da sustentabilidade ambiental. Os resultados globais do monitoramento são utilizados em pesquisa e compartilhados com as empresas participantes, fazendo com que haja um entendimento maior da relação entre as florestas plantadas e a água.
A partir do conceito de microbacia, e sabendo-se que é possível monitorar e entender os efeitos do manejo florestal a partir dela, fica mais fácil entender por que o manejo florestal deve ser planejado nessa escala. O contato direto com a terra sempre possibilitou ao homem do campo o conhecimento empírico, mas de grande valor, sobre como ele poderia ocupar o espaço de produção da melhor forma. Em relação à água, o conhecimento tradicional permitia identificar áreas susceptíveis à erosão, áreas de acúmulo de água, solos bem ou mal drenados, por exemplo. Ou seja, o planejamento era de precisão, mas baseado no conhecimento empírico, na experiência, sem teorias, princípios ou ferramentas que hoje estão disponíveis.
O conhecimento tradicional se perdeu ao longo do tempo com os plantios industriais em grandes extensões, que exigiram padronização, otimização das atividades silviculturais. O planejamento na escala de microbacia em grandes maciços de plantios florestais, por um tempo, pareceu uma utopia, já que o manejo em larga escala define grandes unidades de manejo de forma homogênea,
buscando otimizar os processos e reduzir os custos de operação. Assim, embora recomendável, é notável a dificuldade de implementação do planejamento na escala de microbacia em grandes empresas. No entanto, embora os conceitos estejam mais do que atuais, o que vem mudando são as tecnologias que incorporam maior precisão ao manejo, e, nessa linha, a silvicultura de precisão, o uso de VANTs, sensores LiDAR e todo o avanço na aquisição e no processamento de informações geográficas em alta resolução. Tudo isso, agora, permite o conhecimento, a análise detalhada do terreno, fornecendo subsídios para um planejamento local de maior precisão.
Essas ferramentas tornaram possível o planejamento com base em microbacias, buscando-se conhecer os seus aspectos naturais, como clima, relevo e solos, que devem ser considerados para classificação da resiliência natural das microbacias. Assim, microbacias menos resilientes devem receber um manejo florestal diferente, específico, buscando compensar a sua sensibilidade natural para reduzir os efeitos do manejo.
O aumento da resiliência da microbacia pode ser feita por meio da redução da proporção de plantio, da ampliação de reservas, do mosaico de idades e do maior cuidado no desenho e na manutenção de estradas. No nível de talhão, o manejo florestal pode ser menos intensivo, considerando tempo de rotação, sistema de colheita, espaçamento, clone/espécie, manejo de resíduos, plantio em nível e adoção do planejamento de precisão local, também chamado de microplanejamento.
Hoje, mais do que nunca, sabe-se que a sustentabilidade não está somente relacionada à questão ambiental, e o manejo na escala da microbacia implica também ganhos de produtividade, já que a água tem sido o principal fator limitante de crescimento dos plantios florestais. Soma-se aos ganhos a manutenção de potencial produtivo do solo, o maior equilíbrio do ecossistema, a redução de custos no médio prazo e outros benefícios que não podem ainda ser contabilizados.
Sobre esses últimos, as tendências apontam na direção da valorização do bom manejo da água, pela avaliação dos serviços ecossistêmicos, que, inclusive, começa a ser introduzida nos programas de certificação. Nessa direção, o FSC já lançou as diretrizes para a certificação de serviços ecossistêmicos, que pode se tornar uma demanda de mercado, onde consumidores escolherão produtos não somente provenientes de um bom manejo florestal, mas que também provisionem serviços como água de qualidade para a sociedade. Novas tendências e tecnologias, que agora viabilizam a aplicação, em larga escala, de velhos e bons princípios hidrológicos em busca de um manejo florestal mais sustentável.