Pesquisador e Chefe adjunto para transferência de tecnologia da Embrapa Florestas
O aumento da população mundial e o concomitante aumento do consumo per capita deverão impulsionar a demanda global por produtos agrícolas nas próximas décadas, isso, provavelmente, trará implicações sobre o uso da terra. A competição por terra pode superar fronteiras e, mesmo que o aumento de demanda por terras ocorra em uma outra parte do mundo, a pressão para fornecer commodities pode ser deslocada para outro lugar.
Estudos mostram que esse deslocamento, que tem sido amplificado pela globalização econômica, se traduz em conversão de novas áreas para agricultura nos países em desenvolvimento. O Brasil é o segundo maior produtor agrícola do mundo, com aumentos previstos na produção para as próximas três ou quatro décadas, maiores do que em qualquer outro país. Portanto, em nenhuma outra parte do globo o conflito sobre o uso da terra tem a magnitude potencial que é observada aqui. O uso da terra para atividades antrópicas é a principal causa da extinção de espécies, ou seja, de diminuição da biodiversidade do planeta, adicionando ainda a emissão de gases de efeito estufa (GEEs) e suas consequências no clima e na produção agropecuária das diferentes regiões do globo.
A degradação e a escassez de solos e de águas, que impõem um novo desafio à tarefa de alimentar e de prover abastecimento hídrico a uma população mundial crescente, foram alertadas por um estudo da FAO 2011 (Relatório Solaw) ao apontar que cerca de 25% dos solos do planeta estão degradados (no Brasil, estima-se que, pelo menos, a metade dos 200 milhões de hectares de pastagens existentes estejam com algum grau de degradação) e que os recursos hídricos, especialmente as águas interiores, estejam em grande risco, devido à diminuição de fluxos e ao aumento da carga de nutrientes (nitrogênio e fósforo) oriundos de atividades agrícolas e do meio urbano.
O Relatório Solaw chama a atenção para o fato de que as mudanças climáticas alterarão padrões de temperatura, de precipitação e de regime hídrico, o que pode resultar numa competição global por terra e por água, tanto para uso nas atividades urbanas e da indústria quanto para uso nas atividades rurais, entre pecuária e cultivos (alimentos, fibras, madeira, biocombustíveis e outros).
Intensificar a produção nas áreas atualmente sob uso agrícola e/ou pecuário tem sido proposto como uma solução para dirimir o conflito entre a expansão da produção e a conservação de ecossistemas naturais. Tem sido demonstrado que é possível aumentar a eficiência da agricultura e reduzir e/ou mitigar a emissão de GEEs por meio da conservação de recursos naturais e por melhorias na gestão da terra. Em função desse quadro, cresce a importância do estabelecimento de uma estratégia para o desenvolvimento sustentável da agropecuária brasileira do século XXI.
Nesse sentido, a pesquisa agropecuária tem trabalhado para possibilitar aos produtores rurais novas formas de produzir com geração de renda, redução de impacto ambiental e a possibilidade de manutenção do homem no campo, o famoso tripé da sustentabilidade: econômico, social e ambiental. A estratégia de integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF) é uma alternativa importante para tais objetivos, porque pode corroborar para aumentar a eficiência do uso da terra e distender a pressão de ações preventivas de grandes potências agrícolas (mesmo aquelas que, sabidamente, destruíram suas florestas em maior proporção que o Brasil) na forma de barreiras não tarifárias. As barreiras ambientais, por terem um imenso poder de sensibilizar a opinião pública mundial, serão, certamente, utilizadas pelos competidores do agronegócio brasileiro.
A iLPF pode ser entendida como uma inovação porque modifica os atributos da produção agropecuária, com impacto na forma como ela é percebida pela sociedade. Requer mudanças na forma de produzir e introduz um novo paradigma ao modelo de negócio vigente na agropecuária. A inserção do componente arbóreo na agropecuária atende tanto a seus aspectos ambientais quanto a produtivos. Na pecuária a pasto, a combinação intencional de árvores, pasto e gado, numa mesma área e ao mesmo tempo, tem se mostrado uma opção tecnológica para a produção animal.
Tecnicamente, essa forma de combinar árvores com a pecuária é chamada de sistema silvipastoril. Áreas ou parcelas onde a combinação é de cultivos agrícolas com árvores constituem uma integração “lavoura-floresta” ou, tecnicamente, silviagrícola. A conversão das formas monoculturais (dominante) de uso da terra para policulturais, em especial introduzindo o componente arbóreo nas formas agrícolas e pastoris (“levando” a árvore para a lavoura e/ou, para a pastagem), deve ser entendida como um processo de “modificação” do padrão vigente de uso das terras, onde a “novidade” (árvore) deve ser incorporada pela forma dominante (lavouras e/ou, pastagens), de modo que permita a mudança gradativa (transição amena) de um paradigma produtivo para outro, ambientalmente mais ajustado e mais complexo.
Sumariamente, a iLPF pode promover a diversificação da atividade agrícola e/ou pastoril e florestal, com melhor utilização dos recursos ambientais; constituir uma alternativa ao plantio de árvores comerciais, capaz de permitir a introdução da atividade florestal com continuidade de atividades agrícolas e/ou pastoris nas terras cujo potencial agropecuário é alto, sem, com isso, deslocar as atividades agropecuárias – ao contrário, mantendo-as em bases sustentáveis; criar paisagens originais, que possam favorecer atividades de agroturismo e de promoção da agrobiodiversidade; mitigar a emissão de GEEs, e favorecer o bem-estar animal a campo.
Será importante para produzir madeiras que possam substituir as madeiras extraídas de florestas naturais, que se tornarão cada vez mais escassas e de acesso limitado. Espécies de árvores que são pouco utilizadas nos plantios comerciais tradicionais, mas que possuem elevado valor, poderão ser plantadas em iLPF. Áreas arborizadas têm um potencial verdadeiramente inovador de paisagismo e pode melhorar a imagem pública da agropecuária. Isso será particularmente importante para regiões onde as propriedades rurais são pouco ou nada arborizadas.
A presença de árvores constitui um estrato fixador de carbono atmosférico acima do solo e favorece novos nichos e habitats para o aumento da biodiversidade. A proteção das culturas por sua associação com árvores, escolhidas para estimular o controle biológico em populações nas lavouras e pastagens, é uma promissora via para o futuro. Essas características estão alinhadas com muitos objetivos da legislação ambiental e de normativas de boas práticas agropecuárias e florestais, bem como corroboram para a mudança do uso das terras. Particularmente, pode contribuir para com os objetivos da Política Pública de iLPF (Lei Federal nº 12.805, de 29/04/2013) e para o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura – Plano ABC – do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em seus objetivos e questionamentos internacionais.