Coordenador técnico-científico do Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão da Esalq-USP
Op-CP-37
Fomentar, segundo o dicionário Aurélio, significa estimular, apoiar, sustentar ou incitar algo. O termo tem origem no latim fomentum, que significa "aquecer". No sentido figurado, fomentar é estimular algo, adotando os meios e cuidados necessários para promover o desenvolvimento e conquistar resultados positivos, porque precisa de fomento e, nessa lógica, inclusão, repartição de riquezas e estratégia e expansão.
No início da segunda década do século XXI, o flagelo da pobreza e da fome atinge 1,1 bilhão de pessoas consideradas extremamente pobres, sendo que 75 % delas vivem em áreas rurais e, em grande medida, dependem da agricultura, da silvicultura, da pesca e de atividades conexas para a sua sobrevivência. O desafio fundamental para se erradicar a pobreza global e a fome terá de se assentar, entre outras ações de cunho local e global, numa reforma agrária eficaz e no desenvolvimento rural com bases sustentáveis.
O Brasil ainda possui 13 milhões de analfabetos, sendo grande parte no Nordeste e na zona rural. A Organização das Nações Unidas, por meio da FAO, elenca entre os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM): a erradicação da pobreza, a fome, a garantia da sustentabilidade ambiental e a criação de parcerias para o desenvolvimento, como ações estratégicas e fundamentais.
O processo de modernização da agricultura mundial, a partir de meados da década de 50, foi marcado por profundas alterações nas dinâmicas de produção, ocasionadas pela subordinação aos paradigmas da Revolução Verde. Hoje, se reconhece que tais melhorias significativas na produção e produtividade agrícola foram acompanhadas por efeitos negativos sobre a base de recursos naturais, efeitos que foram tão graves que ameaçam o seu potencial de produção futura.
Nesse modelo de uso e ocupação dos solos na Mata Atlântica, e infelizmente ocorrendo em outros biomas, prevalece a visão depreciativa dos recursos florestais, que tem levado à devastação das florestas nativas para sistemas de produção agropecuários e florestais simplificados. Contudo não se deve estigmatizar o agricultor como depredador dos recursos naturais, visto que existem forças econômicas, políticas e sociais que impelem esses agentes sociais em direção a práticas predatórias.
Essas forças impulsionam o agricultor a expandir sua área de produção e a converter novas áreas em monocultivos agrícolas, florestais e/ou pastagens, gerando a degradação, ou, quando a expansão da área produtiva não é mais possível, ficam reféns de pacotes tecnológicos que levam à degradação contínua da terra, muitas vezes levando a situações irreversíveis, que colocam o que muitos chamam de “agronegocinho” subserviente a todo o pacote da agricultura dita moderna.
Fortalecer a sustentabilidade no desenvolvimento da agricultura familiar passa, necessariamente, pela sua viabilização econômica, cumprindo com as suas funções estratégicas para o desenvolvimento do País. Atualmente, diversas linhas de pesquisa e de reflexão colocam a questão dos recursos naturais como intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento sustentável.
As interações entre espécies florestais e cultivos agrícolas e/ou animais, nas áreas onde o elemento predominante é o estrato arbóreo florestal, caracterizam-se por uma maior relevância da diversidade biológica nas estratégias de produção, proporcionando benefícios econômicos e sociais aos usuários diretos (agricultores) e benefícios ambientais (serviços) para a sociedade.
Esses conceitos e preceitos guiam a lógica dos Sistemas Agroflorestais ou das Agroflorestas (SAF). Infelizmente, até o momento, têm sido insuficientes a ênfase dada e os investimentos direcionados à formulação e à implementação de políticas públicas que potencializem os benefícios auferidos da adoção de SAF. Um dos maiores desafios para a ampla adoção dos SAF consiste no estabelecimento de processos e mecanismos contínuos de compartilhamento de conhecimentos locais e científicos e a transmissão daqueles relacionados às práticas consideradas exitosas para o nível da experimentação em contextos similares, de forma que sejam progressivamente aplicados, ajustados e validados.
De maneira geral, os pequenos produtores e agricultores familiares não têm as suas demandas por tecnologias adequadamente atendidas, o que poderia viabilizar a produção agroecológica numa escala que garanta segurança e soberania alimentar e a geração de excedentes comercializáveis cuja receita, além de melhorar as condições de vidas das famílias, possibilitará o desenvolvimento de empreendimentos individuais/familiares e/ou coletivos com base na produção agroflorestal, onde espécies nativas e exóticas convivem de forma harmônica.
O direcionamento de tecnologias de alta agrobiodiversidade nos estabelecimentos produtivos familiares, proporcionando equilíbrio ecossistêmico, com a consequente minimização de ataque de pragas e doenças, assim como tendo várias espécies econômicas alimentares como “carro-chefe”, não deixarão o produtor à mercê de um possível desastre com uma só cultura.
É importante destacar que, ao se utilizar tecnologias que minimizem agroquímicos, tanto em fertilização química como em controle fitossanitário, além de controlar ervas espontâneas sem o uso de herbicidas, o agricultor familiar e assentado rural são favorecidos no que tange aos custos de produção. Ao se fazer as contas de quanto isso representa nos custos totais, verifica-se que isso equivale, muitas vezes, a mais de 80% desses gastos totais, que são normais no agronegócio, mas que são exatamente o lucro do agricultor familiar.
O setor florestal brasileiro vive um momento muito importante diante da conjuntura nacional e internacional. Ao mesmo tempo que desfruta de grandes avanços alcançados por meio do acúmulo de pesquisas e investimentos públicos e privados nas últimas décadas, elevando a silvicultura brasileira aos patamares de referência mundial, podendo também ser considerado um setor diferenciado dentro do universo do agronegócio brasileiro, principalmente no tratamento dado às questões socioambientais.
O setor enfrenta o dilema de como continuar a crescer de forma sustentável, diante de um cenário de conflitos agrários, escassez de áreas para expansão e principalmente da necessidade de rever os paradigmas e métodos de relacionamento com as comunidades e paisagens rurais, criando a necessidade de construir e “fomentar” novos tipos de relações.
Dentro desse universo, onde também podem ser incluídos os atuais debates sobre a adoção de OGMs (transgênicos) na silvicultura, ao nosso ver um grande equívoco e um grande risco, que impõe, paradoxalmente, retrocessos a todo avanço conquistado pelo setor florestal, onde a competividade vai muito além da eficiência silvicultural.
Exemplo desse novo universo pode ser visto no extremo sul da Bahia, onde se encontram as maiores e mais produtivas empresas do setor florestal, território com tradição de conflitos socio-territoriais, remontando à chegada dos primeiros colonizadores ao Brasil. Essas empresas, dialogando e construindo ações efetivas com diversos movimentos de luta pela terra, comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas) com os poderes públicos estadual, federal e municipais, sociedade civil organizada e universidades, apontam para mudanças, nas quais entra em pauta o fomento ao desenvolvimento rural integral, rediscutindo e alterando a realidade fundiária do território através da criação de Assentamentos Agroflorestais e Agroecológicos, em áreas que seriam destinadas ao monocultivo de florestas comerciais de eucalipto, coexistindo em paisagens mais diversificadas e sustentáveis.
A geração e a identificação de potencial de sinergia entre os diferentes atores locais, para o desenvolvimento e adaptação de tecnologias, para a identificação e construção de valores comuns e para a construção de relações de confiança e parcerias, apontam para um novo horizonte, um horizonte de futuro. O fomento do futuro. Muito além da silvicultura, incorporando a agroecologia como parte de sua estratégia de fomento e de sustentabilidade regional integral.
Essa conjuntura inédita, hoje, se materializa na mudança de posse de mais de 20 mil ha de terras que estão se transformando em Assentamentos Agroecológicos, envolvimento de 2.200 famílias, construção de uma Escola de Formação em Agrofloresta e Agroecologia, uma estratégia consolidada de formação e capacitação de agricultores e técnicos, construção da uma estratégia de saúde integral e fitoterapia e um programa de erradicação do analfabetismo são exemplos das ações em andamento.
O processo se iniciou com um pedido, feito pela empresa Fibria, para que professores e pesquisadores da Esalq/USP, que atuam há mais de 20 anos em projetos de pesquisa-ação, buscando a sustentabilidade socioambiental de comunidades de agricultores familiares, principalmente de assentados da reforma agrária, para a mediação no diálogo com o MST, que havia ocupado fazendas recém-adquiridas pela empresa para a expansão da sua base florestal.
Para procurar encontrar uma nova fórmula de gestão do histórico conflito social existente, a empresa não solicitou reintegração de posse e se dispôs a apoiar um projeto de “Assentamentos Sustentáveis” desenhado pela ESALQ com o MST, apontando para toda a sociedade uma real mudança de paradigmas. Outras iniciativas daí se desdobraram, incluindo a criação e o efetivo funcionamento da “Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egidio Brunetto”, permitindo, hoje, formular-se a pergunta: estaria em curso uma nova estratégia de fomento, comprometida com um futuro verdadeiramente sustentável?
Atualmente, diversos atores estão envolvidas nesse processo: Fibria, Veracel, Incra, Governo do Estado da Bahia, ICMBio/SF-MMA, Instituto Cabruca, MST, e outros movimentos socio-territoriais - Fetag, Aprunv, FTL, MLT, MRC, Fiocruz-Farmanguinhos, IF-Baiano, Esalq/USP, entre outras, demonstrando a sua dimensão e importância, que vão muito além de um projeto, constituindo-se como um programa e, talvez, como uma política institucional de longo prazo.