A indústria florestal brasileira, um dos setores que mais investe atualmente no País, enfrenta um desafio estratégico: como crescer e manter sua competitividade global diante do desequilíbrio entre a alta demanda e a crescente escassez de mão de obra qualificada no campo?
Mais do que capacitar pessoas e garantir condições adequadas de trabalho – incluindo salários compatíveis com cada região –, o desafio está em atrair talentos dispostos a fazer o caminho inverso ao do processo de urbanização pelo qual passou a sociedade brasileira e mundial ao longo das últimas décadas. Um processo que exige tempo.
Para evitar que a escassez de mão de obra se transforme em um impeditivo a novos investimentos, a automatização e a mecanização têm sido aliadas importantes, não como substitutas ao capital humano, mas como ferramentas para aumentar a produtividade, segurança, qualidade de vida e renda de trabalhadores nas atividades rurais.
Um exemplo claro dos desafios para viabilizar novos investimentos no futuro pode ser visto no Mato Grosso do Sul. No estado, onde a Suzano possui dois complexos industriais, o setor florestal emprega mais de 27 mil pessoas. Um número que supera, por exemplo, toda a população de Ribas do Rio Pardo, município onde entrou em operação em julho de 2024 a maior linha única de produção de celulose do mundo.
No mesmo estado, dados do IBGE apontam que a Indústria de Transformação cresceu 921% nos últimos 15 anos e que aproximadamente 96% da força de trabalho existente no estado está atualmente empregada. Alcançou-se, portanto, o pleno emprego, o que obriga as empresas, incluindo a Suzano, a buscarem profissionais em outros estados. Alguns deles, inclusive, oriundos de outros países.
A situação vivenciada no Mato Grosso do Sul é um recorte, mas não uma exceção. O desafio se estende ao setor de árvores plantadas em todo o Brasil. Como maior exportador de celulose do mundo, o País registrou um aumento de 25% no número de empresas de papel e celulose nos últimos dez anos.
A demanda por técnicos e operadores especializados, por exemplo, cresceu 20% entre 2015 e 2022, segundo projeções internas da Suzano. Em contrapartida, o número de trabalhadores empregados no setor agrícola encolheu 16% entre 2012 e 2021 nacionalmente, de 17,6 milhões para 14,8 milhões de pessoas, de acordo com a PNADC, do IBGE.
Tais números evidenciam um descompasso preocupante entre os mais de R$ 100 bilhões em investimentos previstos no setor pela Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) até 2028 e a disponibilidade de mão de obra qualificada no País. Esse cenário representa uma ameaça concreta a novos projetos geradores de oportunidades de emprego e distribuição de renda, sobretudo em regiões mais distantes dos grandes centros – áreas onde estão tradicionalmente concentrados os investimentos do setor florestal no Brasil.
Exemplo de mudança no mercado de trabalho é a situação vivenciada pela Suzano no Vale do Paraíba-SP. Devido à topografia local, parte da operação de colheita precisava ser realizada com o uso de motosserras – uma prática para a qual a mão de obra se tornou cada vez mais escassa ao longo dos anos e pouco adequada à realidade de produtividade e padrões atuais de segurança do setor. Por isso, com o passar dos anos, foi descontinuada.
A alternativa encontrada para a retomada das operações na região foi o uso de tecnologia avançada para mecanização de operações. A equipe que antes trabalhava com motosserras foi capacitada para operar equipamentos modernos, por meio de um programa de desenvolvimento e melhoria de remuneração. Uma evolução que exigiu, antes de tudo, a mudança de mentalidade. Exemplos como esse demonstram que o foco não é a subtração da mão de obra, mas sim sua especialização e capacitação.
Afinal, diante da escassez de força de trabalho qualificada, automatizar tarefas repetitivas e menos alinhadas às boas práticas do modelo de trabalho atual permite que as empresas direcionem seus colaboradores para atividades mais estratégicas e que exijam habilidades específicas, como análise de dados, operação de equipamentos de precisão e monitoramento de atividades de forma remota, entre muitas outras.
{A capacitação de mão de obra nos permite otimizar os processos florestais, proporcionando maior controle e eficiência, e não se restringe às atividades de plantio ou colheita. Há a utilização de sensores, drones e sistemas de monitoramento em tempo real que permitem o acompanhamento do crescimento das árvores, a detecção de pragas e doenças, a identificação de focos de incêndio e a otimização do uso de recursos como água e fertilizantes.
É maior produtividade e melhor uso dos recursos, redução de custos e minimização de perdas, associadas à qualificação profissional. Esse modelo se torna um diferencial competitivo ao equilibrar a necessidade de inovação com a valorização do capital humano, ou seja, conectando o desenvolvimento tecnológico à formação profissional contínua. E, de quebra, em um importante vetor de retenção de talentos, uma vez que profissionais em constante evolução possuem maior conexão com as empresas que oferecem tais oportunidades.
Na Suzano, o compromisso com a formação de profissionais do futuro se reflete em iniciativas estratégicas para os diferentes pipelines. Para funções operacionais, os programas de capacitação realizados desde 2021 em parceria com instituições técnicas já formaram mais 1.700 profissionais para atuar nas frentes mecanizadas de silvicultura, colheita e logística florestal.
Do público total capacitado, mais de 65% dos profissionais foram contratados, garantindo produtividade e retenção de talentos. Um exemplo é o Viveiro Florestal de transição de Três Lagoas, onde 50% dos colaboradores são pessoas surdas e que foram capacitadas tecnicamente para atuar na produção de mudas. Apesar dos desafios iniciais, em função do investimento nas pessoas, alinhado à tecnologia, a produtividade cresceu de 2,3 milhões para 4 milhões de mudas anuais.
Ações similares são aplicadas no desenvolvimento de nosso time de técnicos florestais, área na qual 100% das pessoas possuem acesso a um programa estruturado de capacitação técnica e comportamental, que no último ciclo garantiu alavancagem de performance de 49% e aumento de 24% na aceleração para posições de supervisão.
Já na liderança, além das iniciativas de desenvolvimento interno, lançamos em 2024 um programa para capacitação de supervisores florestais, que está preparando 35 talentos para ajudar a construir o nosso futuro operacional. Investir de forma simultânea e estratégica na automatização e mecanização de atividades, bem como na capacitação de profissionais que consigam responder às melhorias estruturais desses processos, faz parte, portanto, de uma equação complexa e em constante evolução, cujo resultado pode determinar a viabilidade ou não de futuros investimentos, e que está diretamente associada à eficiência operacional e de sustentabilidade de empresas que concorrem globalmente.
Sob a ótica do desenvolvimento humano, trata-se de uma transformação na forma de preparar e valorizar as pessoas. O foco não está em substituição de mão de obra, mas em sua qualificação para um novo ciclo produtivo, no qual trabalhadores capacitados serão protagonistas de uma era marcada pela digitalização, inovação e eficiência. Adaptar-se a essa realidade não é uma opção, mas uma necessidade para garantir crescimento sustentável e relevância no futuro da indústria.