1. Um Brasil Florestal de Fato
Enquanto as políticas dos Fundos de Investimentos Setoriais aos Reflorestamentos (FISETs) e dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) das décadas de 1960 a 1980 fizeram jus às vantagens comparativas do Brasil na produção de celulose, dando-lhes cara nova, a crise financeira internacional de 2008, conciliada com o crescimento pujante da economia chinesa, a pôs, celeremente, no topo do pódio dos exportadores no mundo, haja vista a derrocada dos antigos players concorrentes e predecessores como Canadá, Suécia e Finlândia.
O expressivo spread entre custo CIF da celulose brasileira e seu preço no mercado internacional tem atraído indústrias de outros países e levado as nacionais a expandirem a produção a um menor custo via fusões (Suzano e Fíbria) ou novos empreendimentos em regiões de terras planas, extensas e baratas, vide a mesorregião leste do Mato Grosso do Sul e o sul do Maranhão, porém de solos pobres e arenosos e de clima seco e altas temperaturas, uma vez que as áreas mais nobres são ocupadas com a produção de grãos, principalmente café, soja e milho, ou, no mínimo, cana-de-açúcar e pastagens, dada a maior rentabilidade.
Em que pese terras planas, extensas e baratas, mas com limitações hídricas e de fertilidade, refletindo numa baixa produtividade florestal, ainda há o agravante do distanciamento até os portos, sobretudo o de Santos-SP, que está a quase 1.000 km delas. Apesar de o frete ferroviário ser menor que o rodoviário, a distância e a necessidade da construção dos ramais interligando as fábricas à linha principal da ferrovia afetam a lucratividade. Isso sem dizer que são eldorados em cidades minúsculas não apropriadas para receber novos contingentes de milhares de trabalhadores, sem infraestrutura urbana para tal, como hospitais, clínicas médicas, residências, mercados, restaurantes e estruturas de entretenimento, requerendo investimentos massivos a contento.
Além disso, tem-se os problemas sociais e ambientais devido à concentração de reflorestamentos, praticamente, numa única região que, malconduzidos, podem trazer conflitos com as comunidades locais, seja pela questão hídrica, seja pelo movimento intenso de caminhões pesados nas comunidades onde as construções, moradias simples, não suportam tal tráfego, ocasionando rachaduras e outros inconvenientes.
Embora o leste sul-mato-grossense já possuísse expressiva área de reflorestamento devido aos incentivos fiscais dos FISETs, não é suficiente para hospedar as três indústrias instaladas desde 2008 e mais as duas projetadas para o final desta década que, juntas, produzirão próximo de 15 milhões de toneladas secas de celulose ao ar (tsa). Se com as atuais produzindo algo em torno de 7,5 mi tsa já está difícil o abastecimento, quiçá quando estiverem as cinco. É nítida a situação de colapso onde se tem uma expansão geométrica da demanda por madeira para celulose em contrapartida de uma aritmética da oferta.
Já no restante do País, o que se tem é uma redução da oferta dada a queda nos preços da madeira após 2008. Isso gerou uma frustração generalizada dos produtores independentes, que tinham sido incentivados com a atividade de reflorestamento. Porém, devido ao fracasso de alguns programas de fomento florestal e ao aviltamento dos preços da madeira asfixiados pelas próprias indústrias de celulose, hoje têm de amargar o custo elevado de transporte rodoviário de milhares de quilômetros - quando, paradoxalmente, não deveria ultrapassar 100 km -, sendo que nas propriedades próximas se verifica a ociosidade e, até mesmo, a degradação das terras.
2. Desafios para os atuais e novos projetos em instalação
É fato que, independentemente para quais regiões forem as novas fábricas de celulose, elas encontrarão uma condição de descrença dos proprietários rurais quanto aos investimentos em reflorestamentos. Algo que requererá muito convencimento, mas nada que seja impossível caso se garanta o cumprimento contratual em que preços justos sejam praticados quando da colheita e venda da madeira, num negócio que tem como principal característica o longo prazo e, consequentemente, seus riscos e incertezas. Tudo bem que, para contornar isso, basta a parceria com as TIMOs que, indubitavelmente, são essenciais para este negócio, mas não se trata de condição sine qua non para evitar problemas sociais com os proprietários rurais e população local.
Indiscutivelmente, como boa política de vizinhança e garantia do modelo de gestão ESG, bons programas de fomento florestal farão a diferença, não só do ponto de vista social, mas econômico, dado que o custo da madeira via fomento tem tudo para ser menor que o plantio próprio. Sem considerar que não há necessidade de imobilizar capital em terras.
Considerando que no mercado internacional há potencial de demanda para o dobro da quantidade de celulose que o Brasil já produz – sem levar em conta que, após a saturação do mercado chinês, há a perspectiva da entrada do mercado indiano, país com uma população de 1,4 bilhão – obviamente mudanças culturais e estruturais terão que ocorrer no mercado da Índia –, significa que mais indústrias serão construídas aqui no País. No entanto, indaga-se em que região se instalarão, haja vista que a oeste já se encontram esgotadas?
Num cenário atual e futuro de concorrência acirrada pela madeira e de saturação das áreas planas vocacionadas para a atividade florestal e com presença de rios caudais, resta às pretendentes buscarem regiões montanhosas, porém mecanizáveis, sem aptidão para o agronegócio que comprometa a segurança alimentar. Daí, propriedades no sudeste, sobretudo as localizadas no polígono correspondente ao norte e noroeste fluminense (RJ), sul capixaba (ES) e Zona da Mata mineira (MG) se apresentam para tal, que além de terras baratas e argilosas com precipitação pluviométrica melhor que no Centro-Oeste, têm as vantagens de estarem imunes à concorrência com as culturas agrícolas, de possuírem ferrovias que ligam até próximo ao Porto do Açu, atualmente ocioso e possui um dos maiores calados no Brasil, possibilitando o menor frete marítimo, numa conjectura de ter também o menor ferroviário e rodoviário.
Ainda que montanhosa com a desvantagem do maior custo operacional da colheita e transporte da madeira, tal situação pode ser compensada com a maior produtividade das plantações florestais. Com certeza o mesmo esforço em custo para se ter uma produtividade (IMA – Incremente Médio Anual) de 30 a 35 m3/ha/ano nas áreas planas do oeste brasileiro, nas montanhosas do Sudeste se atingiria de 40 a 45 m3/ha.ano, podendo compensar assim os custos da colheita e transporte, ou até mesmo serem menores.
Óbvio que mesmo no Sudeste ainda se tem regiões planas e latifundiárias, como as do norte de Minas Gerais, porém, a elas, já chegaram a soja, o milho e o algodão. Só não chegou à região mais setentrional do norte como em Montes Claros-MG, devido às temperaturas elevadas e chuvas escassas e concentradas em poucos meses do ano, implicando em baixa produtividade.
3. O retorno dos reflorestamentos às regiões de origem
Dado que o que importa é o valor CIF da celulose posto no mercado internacional, tal polígono sugerido promete mais que a região oeste brasileira. Uma vez optando por ele, tais indústrias encontrarão uma condição favorável para os empreendimentos, quer seja pela disponibilidade de plantações de mais de 200.000 ha em eucalipto distribuído em pequenas, médias e grandes propriedades, de terras baratas de melhores condições edafoclimáticas e rios caudais, quer pela infraestrutura existente.
Além do porto e das rodovias e ferrovias, neste polígono encontram-se cidades historicamente bem-estruturadas, oferecendo serviços hospitalares, clínicas médicas, escolas, hotéis, serviços de comunicação e de entretenimento, oficinas mecânicas, indústrias de metalurgias pesadas, concessionárias de energia elétrica, subestações e linhas de transmissão elétrica que favoreçam as fábricas de celulose colocarem no grid a eletricidade da cogeração a um custo significativamente mais baixo em relação a outras regiões. Cabe destacar que possíveis efeitos corrosivos nos equipamentos, máquinas e implementos metálicos nas fábricas mais próximas do litoral deste polígono devido a pluma oceânica (maresia) podem ser contornados com a instalação na Zona da Mata de MG. Às terras planas, os alimentos; às montanhas, as matas; e à Zona da Mata, a cadeia produtiva florestal que, fazendo jus à Mata, nunca deveria ter saído dela.
Eis o importante desafio.