Senadora da República
Op-CP-16
A história de qualquer civilização nos remete à relação do ser humano com a natureza. O ser humano age conforme sua compreensão das coisas e a atribuição de significados a elas, somadas à inventividade na superação de problemas, o que compõe o patrimônio científico construído pela humanidade. Essa ação humana em direção à natureza, traduzida na tecnologia, na ciência e na arte, é orientada por convicções que têm princípios filosóficos, ideológicos, morais e éticos.
Essas duas ordens de coisas, a material expressando a simbólica, compõem o que chamamos de cultura. Pois bem, na cultura ocidental em geral, não temos compreendido e nem tratado a natureza como um sistema. Paradoxalmente, alguns de seus componentes, como a ciência e a própria vivência de muitas populações, têm nos provado, com elementos inquestionáveis, que estamos diante, sim, de um sistema.
Um sistema com elementos interdependentes, uns prestando serviços aos outros, gerando ciclos que se repetem equilibradamente e garantem a existência perene de ecossistemas múltiplos dentro de biomas. Como produzir economicamente em sinergia com esses ciclos? Como extrair riqueza dos recursos naturais de forma igualmente perene?
Como permitir que, após nos servirmos do planeta, garantindo nosso conforto, nossa saúde, enfim, nosso completo usufruto, façamos transformações na natureza que sejam inteligentes o bastante para dar essa mesma oportunidade para as próximas gerações da humanidade e para outras eras civilizacionais?
Diante dessas perguntas, que nos desafiam; diante da oportunidade que temos de ainda poder escolher o futuro; diante do olhar que lançamos para nossos antecedentes históricos; e, principalmente, diante das consequências trágicas de nossas ações no meio ambiente para a existência humana, consequências que se avizinham em velocidade cada vez maior, tiramos algumas conclusões sobre o binômio meio ambiente e desenvolvimento.
A primeira é que nosso trajeto civilizacional até aqui pegou direções equivocadas, inspiradas por valores duvidosos, gerando adoecimento geral de nossa cultura, que se tornou egoísta, consumista, predadora e injusta. A segunda é que estamos esgotando a capacidade de recuperação do planeta, como têm nos alertado os relatórios produzidos pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, vinculado à ONU.
Eles nos dizem que há risco de extinção de 20% a 30% das espécies vegetais e animais avaliadas, se os aumentos da temperatura global média ultrapassarem 1,5 a 2,5 °C. Nas áreas mais secas, são esperadas salinização e desertificação de áreas agrícolas. A produtividade de algumas importantes culturas e rebanhos deve sofrer decréscimos, com sérias consequências para a segurança alimentar.
Portanto, se a ciência nos diz que a última oportunidade está dada, mas por pouco tempo, temos que tomar medidas urgentes. Temos que mobilizar uma inteligência social, empresarial e acadêmica à altura da gravidade e complexidade do problema, que exige que passemos a produzir riquezas observando as condicionantes da sustentabilidade da vida no planeta.
Cada país tem seu processo a reposicionar, cada povo tem sua contribuição a fazer para toda a humanidade. No Brasil, nossa tarefa é tão grande quanto o tamanho das oportunidades ambientais que temos. Somos um país com 12% da água doce do planeta; temos cerca de 20% da biodiversidade global e a maior floresta tropical do mundo. Mas falta-nos governança e clareza quanto ao rumo a seguir.
Sabemos que 50% do PIB brasileiro dependem da nossa biodiversidade. Temos que buscar as formas mais inteligentes de pensar nosso desenvolvimento, preservando esses recursos, pois são suas bases naturais de sustentação. No entanto, alguns setores da sociedade e do governo veem as unidades de conservação, terras indígenas, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal unicamente como empecilho para a expansão da agricultura, sem considerar que podemos triplicar a produção de alimentos com a recuperação de 160 milhões de hectares de terras degradadas.
Podemos, na comunhão dos povos pelo redirecionamento de nossa civilização, assumir o papel de líderes pela inventividade, pela contemporaneidade de nossa visão de desenvolvimento, pela descoberta de formas de reprodução sustentável da imensa riqueza natural que já temos. Ou podemos ser imediatistas, resistentes à atualização que nos qualifique para os desafios de nosso tempo, apegados a valores ultrapassados, e jogar fora essa liderança. Já construímos boa parte das respostas técnicas que nos levaram a conquistas recentes. Agora, trabalhamos na associação de nossa capacidade técnica ao compromisso ético de fazer o país crescer atendendo as reais necessidades das gerações presentes, sem que isso signifique negar os reais e legítimos direitos das gerações futuras de viver em um planeta ambientalmente saudável.