As espécies arbóreas têm sobrevivido há milhares de anos em função de sua diversidade genética, que é aqui entendida como “a quantidade total de variações genéticas observadas tanto entre populações de uma determinada espécie, como entre indivíduos de uma população dessa espécie”. O termo engloba a variação entre alelos de um mesmo gene, que é a variabilidade genética.
As espécies arbóreas apresentam maior variabilidade genética dentro de populações do que entre populações. Assim, assegurar a variabilidade genética intrapopulacional deverá ser um objetivo central de qualquer programa de reflorestamento comprometido com a adaptabilidade às mudanças climáticas e a oferta de múltiplos serviços ecossistêmicos. Na leitura deste artigo, é importante, também, entender o que seria o “reflorestamento no Brasil”.
Neste artigo, irei usar a terminologia adotada pela FAO nos levantamentos dos recursos florestais ao redor do mundo, segundo a qual reflorestamento é o “reestabelecimento de uma floresta através do plantio e/ou semeadura em uma área ocupada originalmente por floresta”. Isso significa que reflorestamento não inclui áreas de regeneração natural, mas incluem plantações de eucaliptos, pínus, acácias, teca, seringueira, araucária, paricá, etc.
Essas plantações, estabelecidas principalmente nos últimos 50 anos no Brasil, e que hoje ocupam uma área de aproximadamente 10 milhões de hectares, têm como principal finalidade atender às demandas das indústrias de celulose, papel, painéis, siderurgia, madeira serrada, madeira roliça, resina, látex, etc.
Mas, quando falamos de futuro, devemos incluir, também, os reflorestamentos, visando à recuperação de Reservas Legais, que, de acordo com as metas da Proveg – Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Decreto No 8.972/2017), deverão atingir uma parcela significativa da meta dos 12 milhões de hectares a serem recuperados até 2030.
Apesar de a Proveg incluir a regeneração natural, a reabilitação ou a restauração ecológica, consideramos que uma área significativa desses doze milhões de hectares deverá ser recuperada por meio de reflorestamentos ou pelo uso de sistemas agroflorestais, com espécies-chaves da tipologia florestal local, principalmente em áreas que não têm bancos de sementes no solo ou fragmentos florestais adjacentes. Então, dentro dessa ótica, no futuro, teremos dois tipos de reflorestamento no Brasil:
1) Plantios monoespecíficos ou mistos, seminais ou clonais, com espécies florestais de rápido crescimento, para atender às demandas das indústrias.
2) Plantios mistos com espécies florestais nativas, ou até incluindo algumas espécies florestais exóticas, para recuperação de Reservas Legais.
No entanto, apesar das diferenças nas finalidades, a sustentabilidade futura desses reflorestamentos no Brasil dependerá de vários fatores em comum, dentre os quais destacamos as mudanças nos ambientes de plantio. Os reflorestamentos estão se deslocando para terras mais baratas e, consequentemente, para ambientes de baixa fertilidade, mais secos ou com ocorrência de geadas severas e imprevisíveis. Isso implica a necessidade de o mercado disponibilizar sementes e/ou mudas adaptadas aos novos ambientes de plantio atual e futuro.
Nessa última década, experimentamos também eventos climáticos extremos, como as “secas quentes”, que vêm causando mortalidades ao redor do mundo. Analisando as discussões recentes nas mídias nacional e internacional em relação ao uso da terra para produção de alimentos e fibras, observamos que o Brasil é um dos poucos países que poderão contribuir de forma significativa para a expansão da área de plantio, necessária à segurança alimentar no mundo.
As áreas ocupadas atualmente pela agricultura e plantações florestais no País poderão ser duplicadas apenas com o aproveitamento das áreas de pastagens degradadas. Mas e o aumento da produtividade por área? Será interessante observar as reações em relação à possível redução da produtividade agrícola na próxima safra brasileira, interrompendo uma sequência histórica de evolução nessas últimas décadas.
Caso essa informação seja confirmada, será preciso avaliar cuidadosamente as causas. É bem possível que o clima será responsabilizado. Mas será que a natureza não está indicando que o “material genético plantado precisa ser mais bem adaptado às novas situações a que essas áreas estão e estarão sujeitas”? Os modelos de clima futuro, mesmo com suas incertezas e variações regionais, apontam para chuvas mais concentradas e temperaturas mais elevadas.
Os efeitos nos reflorestamentos poderão ser mais drásticos, em função da duração do ciclo. Enquanto as culturas agrícolas são colhidas quatro meses após o plantio, as culturas florestais demandam vários anos ou décadas. Assim, devemos observar se está havendo variação nas produtividades das plantações florestais com finalidades industriais nas áreas tradicionais de plantios e quais as possíveis causas dessas variações.
Recentemente tem-se falado que precisamos evoluir para a “Floresta 4.0”. Mas como aplicar essa nova ideia nos reflorestamentos, de forma que eles possam atingir os objetivos? Ou seja, como aumentar a produtividade das plantações com finalidades industriais e garantir a sustentabilidade das plantações com finalidades ambientais? Silvicultura 4.0 é baseada em análises de grande quantidade de dados coletados nas áreas de plantios e na rede de internet.
Apesar de essa ideia ser muito atrativa, tem-se a impressão de que a aplicação, hoje, seria para poucos do setor florestal. Aparentemente, poucos reflorestadores conhecem o ambiente de plantio com detalhe, ou seja, poucos têm suas áreas divididas em unidades de produção baseadas em mapas de solos e de clima detalhados e resultados de testes de espécies/ procedências/progênies ou clonais distribuídos nessas unidades de produção.
Com exceção dos reflorestadores integrados às indústrias locais/regionais, poucos reflorestamentos são devidamente manejados para agregar valor aos produtos a serem gerados. No caso dos futuros reflorestamentos visando recuperar as Reservas Legais, temos uma situação mais grave. Apesar de o Código Florestal ter sido aprovado em 2012, e a Proveg ter estabelecido 2030 como prazo para atingir a meta de doze milhões de hectares, pouco se tem feito para cumprir essa meta. No entanto, caso o governo decida cumprir a legislação, não teremos sementes ou mudas para atender à demanda.
Quase a totalidade das sementes de espécies florestais nativas é coletada de poucas matrizes marcadas nos poucos fragmentos florestais existentes nas regiões onde os passivos ambientais são significativos. Muitas vezes, sementes são coletadas em regiões bioclimáticas diferentes dos locais de plantios.
O conceito de “zonas de coleta e uso de sementes de espécies nativas em reflorestamentos visando à revegetação florestal” ainda é ignorado pela maioria dos reflorestadores. Além disso, a minoria dos lotes de sementes de espécies florestais nativas tem base genética adequada para conservar a biodiversidade da tipologia florestal que está sendo restaurada. Em resumo, nos parece que a chave para termos reflorestamentos futuros sustentáveis e bem-sucedidos é a conservação da diversidade genética das espécies usadas.
Essa recomendação é válida, também, para reflorestamentos industriais, pois a maioria das plantações está sendo realizada com poucos clones, no caso das florestas clonais, ou com sementes com base genética restrita, no caso das demais espécies. Para finalizar, é preciso sempre lembrar que biodiversidade inclui a diversidade genética intraespecífica e que essa é a principal ferramenta para enfrentarmos as adversidades futuras do ambiente de produção, principalmente as mudanças climáticas, o alto custo dos insumos, as mudanças no mercado, a exploração de novos fármacos ou produtos. E, para enfrentar esses desafios, será preciso um profissional preparado para essa nova realidade.