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José Leonardo de Moraes Gonçalves

Professor Titular de Solos e Nutrição da Esalq-USP

OpCP80

Limitações e desafios para a expansão sustentável da produção florestal e industrial
Nas últimas décadas, o Brasil consolidou uma posição de destaque mundial no setor florestal, graças ao avanço técnico e à implantação de plantações altamente produtivas de Eucalyptus e Pinus. Com base em ciência, inovação tecnológica e integração entre empresa, universidade e Estado, foi possível atingir patamares impressionantes de produtividade, competitividade e sustentabilidade. No entanto, ao mirar o futuro, torna-se imperativo reconhecer que a continuidade e a expansão da produção industrial florestal sustentável no Brasil encontram-se diante de limitações relevantes e desafios crescentes.
 
O desafio do acesso à terra e à água:
A base territorial e hídrica é o alicerce físico da produção florestal. A expansão sustentável das plantações está condicionada à disponibilidade de terras aptas, juridicamente seguras e com recursos hídricos adequados, condições cada vez mais restritivas em função de fatores geopolíticos, socioambientais e climáticos.
 
Por um lado, a competição por terras agricultáveis tem-se intensificado, especialmente no bioma Cerrado e em zonas de transição para a Amazônia, onde culturas como soja e milho avançam rapidamente, impulsionadas pela demanda global por commodities. Essa dinâmica inflaciona os preços da terra, desloca fronteiras agrícolas e cria tensões no planejamento da ocupação do solo. Além disso, o avanço das zonas de amortecimento ambiental e áreas de proteção permanente impõe restrições legítimas, que requerem clareza jurídica e eficiência na definição de parâmetros para o uso sustentável da terra. A insegurança fundiária, a morosidade na titulação de terras e os conflitos com comunidades locais representam entraves significativos, inclusive do ponto de vista da atração de investimentos de longo prazo.

No que se refere à água, os desafios se tornam ainda mais críticos em face das mudanças climáticas. Modelos climáticos projetam redução na regularidade das chuvas e maior frequência de eventos extremos, como estiagens prolongadas e ondas de calor. 

As plantações florestais dependem de uma base hídrica estável para sustentar seu alto rendimento. A escassez hídrica ameaça não apenas a produtividade, mas também a viabilidade de novos empreendimentos silviculturais em determinadas regiões.

Além dos desafios atuais, surge uma indagação estratégica de grande relevância: quais são os limites físicos e operacionais para a expansão da base florestal no Brasil e quando eles poderão ser atingidos? A resposta depende de variáveis regionais como disponibilidade de terras com aptidão silvicultural, pressão por conservação ambiental, capacidade hídrica, infraestrutura de suporte e conflitos fundiários.

Nas regiões Sul e Sudeste, observa-se um cenário de maturidade ou saturação da ocupação florestal, com expansão cada vez mais condicionada a substituição de usos ou recuperação de áreas degradadas. No Centro-Oeste e em parte do MATOPIBA, ainda há potencial técnico de expansão, mas com crescente competição com grãos, pressão por conservação da vegetação nativa e riscos associados à irregularidade hídrica.

Projeções indicam que, mantidas as tendências atuais de uso e ocupação do solo, o limite prático para expansão sustentável da base florestal deverá ser alcançado em menos de duas décadas, especialmente para grandes empreendimentos industriais. Por isso, o setor deve antecipar-se, priorizando o aproveitamento eficiente de áreas já convertidas, a intensificação produtiva das plantações existentes e a valorização de modelos integrados com pequenos e médios produtores.

Nos últimos nove anos (2013 a 2023), segundo o Relatório Anual 2024 do IBÁ, a área de florestas plantadas no Brasil aumentou de 7,0 milhões de hectares (Mha) para 10,2 Mha, representando um acréscimo absoluto de 3,2 Mha, com uma taxa média anual de expansão de aproximadamente 3,51%. Mantendo-se esse ritmo, projeta-se que, em 2033, a área plantada poderia alcançar 14,4 Mha, o que exigiria uma expansão adicional de 4,1 Mha em relação a 2023. Para 2043, a projeção aponta uma área total de 20,4 Mha, implicando a necessidade de incorporar aproximadamente 10,1 Mha adicionais. Esses números destacam a importância de identificar fontes estratégicas de terra para sustentar o crescimento planejado da base florestal brasileira.

Um componente crucial para viabilizar essa expansão sustentável é o aproveitamento das áreas de pastagens degradadas. Segundo estudo recente conduzido por pesquisadores da Embrapa e da Unicamp (Édson Bolfe et al., Land, 2024, v.13), o MATOPIBA possui 14,5 Mha de pastagens com grau intermediário de degradação e 6,1 Mha com degradação severa, totalizando 20,6 Mha. Já o Centro-Oeste concentra 21,6 Mha em degradação intermediária e 16,3 Mha em degradação severa, somando 37,9 Mha. Dos totais dessas regiões, estima-se que cerca de 3,7 Mha no MATOPIBA e 14,1 Mha no Centro-Oeste sejam destinados prioritariamente à conversão para culturas agrícolas graneleiras de sequeiro. Isso significa que, dos 58,5 Mha de pastagens degradadas nessas regiões, aproximadamente 40,7 Mha poderiam ser disputados pela silvicultura, pecuária, indústria canavieira e outras culturas, configurando um espaço estratégico para planejamento integrado e sustentável do uso da terra.

Barreiras econômicas e gargalos logísticos:
Embora o setor florestal se tenha beneficiado historicamente de ganhos de escala e verticalização industrial, hoje enfrenta um ambiente de elevada carga tributária, volatilidade cambial e custos logísticos elevados. O Brasil ainda carece de uma infraestrutura robusta, integrada e multimodal que permita a redução de custos e a maior previsibilidade de fluxos de insumos e produtos.
 
A cadeia florestal sofre com a dificuldade de acesso ao crédito de longo prazo para investimentos em expansão de base florestal e em inovação tecnológica. A ausência de mecanismos consistentes de financiamento verde que reconheçam o papel das plantações na mitigação climática e na conservação da biodiversidade representa uma lacuna estratégica.

Pressões ambientais e novas exigências regulatórias:
A indústria florestal brasileira vem se adaptando às exigências ambientais crescentes, seja por meio do cumprimento da legislação, como o Código Florestal e as condicionantes de licenciamento, seja pela incorporação de práticas de manejo sustentável certificadas.
 No entanto, as regulamentações ambientais tendem a se tornar mais rigorosas, e o processo de licenciamento é, em muitas regiões, moroso, fragmentado e sujeito a inseguranças jurídicas.

O desafio atual não é apenas de conformidade, mas de adaptação às novas métricas de desempenho ambiental exigidas pelos mercados internacionais, como a rastreabilidade de cadeias produtivas, a neutralidade de carbono e a conservação da biodiversidade associada às plantações. Trata-se de um novo paradigma, em que a sustentabilidade deixa de ser diferencial e passa a ser uma pré-condição para o acesso a mercados, atração de investimentos e reputação institucional.

Responsabilidade social e inclusão territorial:
As plantações florestais estão fortemente associadas aos territórios rurais, onde coexistem comunidades tradicionais, agricultores familiares e populações urbanas em processo de expansão. Nesse contexto, o desafio social da expansão da base florestal está em garantir relações éticas, participativas e sustentáveis com as comunidades vizinhas, evitando conflitos fundiários, promovendo a geração de empregos de qualidade e fomentando o desenvolvimento territorial integrado.

A indústria florestal precisa se reposicionar como parceira no desenvolvimento local, contribuindo para a infraestrutura social, educação, saúde e empreendedorismo rural. Modelos de integração com pequenos e médios produtores, bem como o fortalecimento das cadeias produtivas associadas à floresta (como apicultura, turismo ecológico, extrativismo não madeireiro), representam caminhos promissores.

Inovação tecnológica e transição para uma bioeconomia de base florestal:
O futuro da indústria florestal brasileira, em sintonia com os desafios globais de descarbonização e circularidade, dependerá da capacidade de transitar para uma bioeconomia de base florestal, substituindo materiais fósseis e insumos sintéticos por produtos renováveis, biodegradáveis e de baixo impacto ambiental.

Isso inclui não apenas o avanço em novos materiais derivados da madeira (como nanocelulose, bioplásticos, fibras técnicas e químicos verdes), mas também a intensificação da implementação de novas tecnologias no setor, por meio do uso de sensoriamento remoto, de inteligência artificial, de sistemas preditivos e da automação nas operações florestais e industriais.

Para isso, será necessário um ecossistema de inovação mais robusto, que conecte centros de pesquisa, universidades, startups e empresas, e que conte com políticas públicas efetivas de incentivo à inovação aberta, à pesquisa aplicada e à formação de recursos humanos.

Considerações finais:
A expansão sustentável da produção florestal e industrial no setor florestal brasileiro é possível e desejável. Para alcançar esse objetivo, requer uma abordagem sistêmica, que enfrente simultaneamente as limitações fundiárias, logísticas, ambientais, sociais e tecnológicas. Mais do que ajustar variáveis de produção, trata-se de repensar o papel do setor florestal na construção de um Brasil mais sustentável, resiliente e justo.

Diante das pressões climáticas globais e da busca por cadeias produtivas mais responsáveis, o setor florestal brasileiro poderá se consolidar como um dos pilares principais da nova economia verde. Para que esse futuro se concretize, é preciso agir desde já com decisões estratégicas imediatas que preparem o setor para os desafios que se anunciam.

Nesse contexto, torna-se essencial que o setor desenvolva um planejamento estratégico integrado de suas bases florestais e industriais. A expansão não pode mais ocorrer de forma meramente oportunista, pautada pela disponibilidade imediata de terras ou incentivos isolados. É preciso articular inteligência territorial, previsibilidade regulatória, logística sustentável e segurança jurídica. As restrições impostas pela limitação de recursos naturais, sobretudo disponibilidade de terra e água, demandam um novo modelo de ocupação territorial, que valorize a eficiência do uso da terra, a multifuncionalidade da paisagem e a sinergia entre conservação e produção.

A construção desse futuro exigirá cooperação entre governo, empresas, academia e sociedade civil. O setor florestal já demonstrou sua capacidade de liderança em sustentabilidade. Agora, é hora de transformar essa liderança em uma estratégia de longo prazo.