Pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite
Op-CP-32
O entendimento da dinâmica dos ecossistemas requer um esforço de mapeamento das chamadas funções ecossistêmicas, as quais podem ser definidas como as constantes interações existentes entre os elementos estruturais de um ecossistema, incluindo transferência de energia, ciclagem de nutrientes, regulação de gás, regulação climática e do ciclo da água.
Tais funções, que são consideradas um subconjunto dos processos ecológicos e das estruturas ecossistêmicas, criam uma verdadeira integridade sistêmica dentro dos ecossistemas.
O conceito de funções ecossistêmicas é relevante, pois, por meio delas, são gerados os serviços ecossistêmicos. De modo geral, uma função ecossistêmica gera um determinado serviço ecossistêmico quando os processos naturais subjacentes desencadeiam uma série de benefícios, direta ou indiretamente, apropriáveis pelo ser humano, incorporando a noção de utilidade antropocêntrica.
Em outras palavras, uma função passa a ser considerada um serviço ecossistêmico quando apresenta possibilidade/potencial de ser utilizado para fins humanos.
Dentre muitos serviços ofertados, podem-se citar a provisão de alimentos, a regulação climática, a formação do solo, etc. São, em última instância, fluxos de materiais, energia e informações derivados dos ecossistemas naturais que, combinados com os demais capitais (humano, manufaturado e social), produzem o bem estar-humano.
As funções e os serviços ecossistêmicos nem sempre apresentam uma relação biunívoca, sendo que um único serviço ecossistêmico pode ser o produto de duas ou mais funções, ou uma única função pode gerar mais que um serviço ecossistêmico.
A natureza interdependente das funções ecossistêmicas faz com que a análise de seus serviços requeira a compreensão das interconexões existentes entre os seus componentes, resguardando a capacidade dinâmica dos ecossistemas em gerar seus serviços.
Além disso, o fato de que a ocorrência das funções e dos serviços ecossistêmicos poder se dar em várias escalas espaciais e temporais torna suas análises uma tarefa ainda mais complexa.
A vida no planeta Terra está intimamente ligada à contínua capacidade de provisão de serviços ecossistêmicos. A demanda humana por eles vem crescendo rapidamente, ultrapassando, em muitos casos, a capacidade de suporte dos ecossistemas em fornecê-los.
Urge, então, não apenas o esforço de compreensão da dinâmica inerente aos elementos estruturais dos ecossistemas, mas também é de fundamental importância entender quais são os mecanismos de interação entre os fatores de mudança dos ecossistemas e sua capacidade de geração dos serviços ecossistêmicos, bem como seus impactos adversos sobre o bem-estar humano.
A despeito de sua grande variedade, as funções ecossistêmicas podem ser agrupadas em quatro categorias primárias, quais sejam:
a) funções de regulação;
b) funções de habitat;
c) funções de produção; e
d) funções de informação.
As funções de regulação estão relacionadas à capacidade de os ecossistemas regularem processos ecológicos essenciais de suporte à vida, através de ciclos biogeoquímicos responsáveis pela composição química da atmosfera, dos oceanos e da biosfera como um todo. Estão também relacionadas à capacidade de minimizar severos efeitos de desastres e eventos de perturbação natural/não natural, como:
(a) capacidade de filtragem e estocagem de água, que regulam sua disponibilidade ao longo das estações climáticas;
(b) capacidade de absorção de água e resistência eólica da vegetação;
(c) a capacidade de proteger o solo, que previne o fenômeno da erosão e da compactação, beneficiando diretamente as funções ecossistêmicas que dependem desse recurso em boas condições naturais, como as (re)ciclagens de nutrientes vitais ao crescimento e à ocorrência das formas de vida.
Essas funções se traduzem também em serviços ecossistêmicos de assimilação e reciclagem de resíduos (orgânicos e inorgânicos) através de diluição, assimilação ou recomposição química. As florestas, por exemplo, filtram partículas presentes na atmosfera, enquanto alguns ecossistemas aquáticos podem funcionar como “purificadores” para alguns dejetos da atividade humana.
As funções ecossistêmicas relacionadas à reprodução vegetal, como a polinização, que resulta das atividades de algumas espécies, tais como insetos, pássaros e morcegos, se traduzem também em serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção da produtividade agrícola.
Do mesmo modo, a cadeia de presas e predadores dos ecossistemas naturais próximos a áreas agrícolas oferecem o serviço ecossistêmico de regulação biológica que reduz a instalação de pragas nas culturas agrícolas.
Funções de habitat são essenciais para a conservação biológica e genética, contribuindo para a preservação de processos evolucionários. De Groot et al. (2002) citam as funções de refúgio e berçário, sendo a primeira delas concernente ao fato de que ecossistemas naturais fornecem espaço e abrigo para espécies animais e vegetais, contribuindo para a manutenção da diversidade genética e biológica.
A segunda relaciona-se ao fato de que muitos ecossistemas, principalmente os costeiros, possuem áreas ideais para a reprodução de espécies, proporcionando a sua perpetuação.
As funções de produção estão ligadas à capacidade de os ecossistemas fornecerem alimentos para o consumo humano, a partir da produção de uma variedade de hidrocarbonatos, obtidos através de processos como a fotossíntese e o sequestro de nutrientes e através de ecossistemas seminaturais, como as terras cultivadas, entre outros produtos, como madeiras, ceras, colas, gomas, tintas naturais, gorduras, folhagens, etc., além de recursos genéticos, medicinais e ornamentais.
As funções de informação relacionam-se à capacidade de os ecossistemas naturais contribuírem para a manutenção da saúde humana, fornecendo oportunidades de reflexão, enriquecimento espiritual, desenvolvimento cognitivo, recreação e outros tipos de experiências proporcionadas pelo contato com a natureza.
Nessa categoria, incluem-se conhecimento estético, recreação, (eco)turismo, inspiração cultural e artística, informação histórica e cultural, além de informações científicas. Essas funções são profundamente ligadas aos valores humanos, o que, muitas vezes, dificulta a sua correta definição e avaliação.
Um cenário de contínua degradação dos ecossistemas, o alcance do desenvolvimento sustentável requer um melhor entendimento da medida da dependência humana com relação serviços ecossistêmicos e, por conseguinte, da vulnerabilidade do bem-estar humano em relação às mudanças nos ecossistemas.